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sexta-feira, 17 de agosto de 2007

PERSONA DO CINEASTA "INGMAR BERGMAN"


PERSONA
de Ingmar Bergman


O FILME COMO UM FILME

O filme conta a história de Elizabeth Vogler, uma atriz que surta durante a apresentação da tragédia Electra, como conseqüência, Elizabeth repousa em uma clínica psiquiátrica. A médica responsável conclui que sua estadia na clínica não surte resultado e assim a manda junto com uma enfermeira, Alma, para sua casa de praia esperando que o isolamento fosse uma maneira de curar o estado da Sra. Vogler que enclausura-se em si mesma e recusa-se a falar.
Elizabeth é atriz, uma profissão na qual a pessoa é obrigada a incorporar vários personagens e personalidades. Esta aquisição causa a perda ou desconhecimento de sua persona original. Assustada, Elizabeth, cansada de mentir, se fecha em um mundo silencioso afim de encontrar a sua verdadeira persona.
Alma é enfermeira calma e introvertida que fala a penas o necessário, no entanto ao chegarem a casa de praia verifica-se uma inversão de papeis. Alma acolhe a personalidade da atriz antes extrovertida e Elizabeth assume a personalidade de Alma caracterizada por sua introspeção que se comunica apenas através de gestos e olhares.
Em determinado momento, Alma lê uma carta de Elizabeth a qual revela suas confidências gerando o conflito do filme. Há uma discussão entre ambas e suas personalidades confrontam-se acontecendo assim uma fusão de personas transmitindo a idéia de que há apenas uma pessoa.

POESIA VISUAL / O Imaginário Bergman

O filme abre com uma poesia imagética que simboliza, de forma metafórica, o ciclo da vida. O nascimento é representado pelo início do funcionamento de um projetor de cinema. Duas pequenas resistências deste projetor, que em contato entram em incandescência, nos remetem ao fogo da vida. As imagens iniciais projetadas pela máquina mostram as pequenas mãos de uma criança e um desenho animado onde o personagem utiliza suas mãos para molhar o rosto. Bergman, em vários outros momentos do filme, irá utilizar as mãos como representações da identidade humana. Neste momento, as jovens mãos indicam o período da infância, enquanto o movimento de levar as mãos ao rosto, utilizado na animação, mostra a formação da identidade de um indivíduo.
Na seqüência seguinte, grades e neve caracterizam o momento que a identidade está formada. A delimitação de um perímetro e a idéia de confinamento expressam os mecanismos de preservação desta identidade. Esta reclusão ocorre com o intuito de manter afastada qualquer influência exterior que não seja desejada, porém a utilização do som de água gotejando mostra que, por mais fechada esta identidade esteja, ela não fica totalmente vedada e algo externo pode acabar invadindo seu interior. Outra interpretação que pode ser feita para o gotejar, é de que algo fugiu de seu curso natural e tal fato ocorre na vida das personagens do filme, quando ambas passam por uma gravidez indesejada ou
quando a enfermeira Alma resolve contar para sua paciente a respeito de uma orgia que viveu.
O plano seguinte desta composição poética mostra um carneiro sendo sacrificado, o que simboliza as renúncias que devem ser feitas ao longo da vida, na tentativa de preservar sua identidade. Logo em seguida, duas mãos são crucificadas numa alegoria a uma punição que esta identidade irá sofrer. A crucificação também pode ser interpretada como o momento em que o indivíduo abandona sua identidade e busca desenvolver uma nova. A postura da personagem Elizabeth de não falar mais, é uma tentativa de formação dessa nova identidade.

A ANÁLISE

Persona é um filme de dualidades:rosto-máscara, realidade-aparência, eu-outro, real-imaginário, silêncio-palavra, vida-morte, criança-adulto, interior-exterior, mar-terra, chuva-sol, dia-noite, luz-sombra, claro-escuro, preto-branco, corpo-alma, filme-realidade.
Persona apresenta duas personas de uma mesma pessoa.Persona, segundo a linha psicanalítica de Jung, é a mascara com a qual nos apresentamos ao mundo. E através dela nos relacionamos com os outros. A persona inclui papéis sociais, tipo de roupa e estilo de expressão pessoal. O termo persona deriva da máscara usada pelos atores no teatro grego.
A persona pode ter aspectos positivos e negativos. Ela serve para proteger o Ego e a psique das diversas forças e atitudes sociais que nos invadem. Nesse caso, o indivíduo adota conscientemente uma personalidade artificial ou mascarada, contrária aos seus traços de caráter, para se proteger, se defender ou para tentar se adaptar ao seu círculo.
Quando estamos isolados, em silêncio, sozinhos, nossa persona se manifesta de modo distinto de quando estamos na rua, no trabalho. Há assim uma persona para o convívio social e outra para quando estamos sozinhos.
No filme, há duas individualidades em confronto, duas personalidades e angústias: Alma e Elizabeth. Ela parece viver com sua persona de isolamento, sem comunicação, enquanto Alma demonstra a persona do convívio social.
A atriz que toma subitamente consciência da mentira em que vive, e rejeita a própria voz. Ela não quer mais mentir, não quer criar mais personas, pois ao se comunicar ela já cria uma mentira do que ela é. Ela não quer faltar à verdade.
Pode-se dizer que Alma e Elizabeth formam duas personas de uma mesma pessoa. Há primeiro uma comparação com as mãos, que podem significar a individualidade, depois as duas faces, por fim a junção. A simbiose se concretiza na tela pela fusão das duas faces num mesmo rosto. Elizabeth se apodera da personalidade de Alma, formando as duas mentes de um mesmo ser.
Como um psicólogo, a senhora Vogler ouve Alma atenciosamente durante a estadia na praia. Deixa que fale de si e ao mesmo tempo aprenda a se conhecer, como numa sessão psicanalítica. Despida de seu uniforme de enfermeira, sua persona se transforma, dando lugar a outra. Mas Elizabeth também passa a conhecer Alma e estudar sua persona. Há aqui uma troca de papéis: a enfermeira faz o papel de paciente, e esta por sua vez faz o papel da médica. Elas primeiro trocaram suas máscaras e depois subitamente dividiam a mesma máscara.
Segundo a teoria psicanalítica de Freud, há uma identificação de Elizabeth com Alma: a primeira quer se tornar parecida com a segunda. Como as duas são muito diferentes, elas parecem se completar, como se Elizabeth fosse o Superego, evitando mentir, e Alma fosse o Id, totalmente instintiva. Assim elas se completam, formando o Ego da atriz.
Na cena em que aparecem as duas meias faces estoura a esquizofrenia de Alma, sua linguagem se desagrega e ela percebe que a outra mulher se projeta nela, com ela. As palavras param de existir e a agressividade de Alma atinge um nível tal que ela não utiliza mais as palavras. Elizabeth, que agora é atriz e enfermeira, apresentando-se como Alma: essa luta de personalidades, para tentar entender seu novo papel, gera a esquizofrenia. Elizabeth não tem o texto completo de seu papel e fica buscando palavras para se expressar com esta persona. Mas, como todo ator, ela se alimenta de seu personagem, como um vampiro, um parasita, no filme explicitado pela cena em que chupa o sangue de Alma.
O filme também trata da questão realidade/ilusão. A todo instante, o diretor tenta nos lembrar de que estamos assistindo a um filme. O projetor que olha diretamente para nós, a película que se rasga, a imagem da atriz no estúdio. Somos lembrados de que isso não é realidade: uma ilusão, uma mentira. A ilusão também aparece quando, assim como alma, não sabemos se Elizabeth aparece ou não durante a noite. Se ela grita ou não de medo. A única cena em que Elizabeth fala é aquela em que alma ameaça jogar água fervente da panela. O medo a faz reagir. Diante dessa nova situação, Elizabeth desfaz-se da primeira persona e estabelece uma nova para se defender. Nessa parte do filme, Elizabeth não é mas ela – é ela e alma. E com duas personalidades dentro de uma pessoa, estabelece-se um conflito.
Pode ser dito que o filme aborda a questão do conflito. Elizabeth tem um conflito interno que gera sua atitude de não mais falar. Este por sua vez acaba criando um conflito externo com Alma, que reage com agressividade. Os fatores externos tentam se infiltrar: a chuva na casa representa Elizabeth tentando ultrapassar a persona de Alma.
Os indivíduos, na vida real, têm de conviver com a “troca” de personas para adaptar-se e ser aceito em diversos meios sociais. Uma atriz (utiliza-se a palavra no gênero feminino em virtude do papel vivido por Liv Ullman) convive com esta troca e tem de interpretar inúmeros personagens e, por conseguinte, diferentes personalidades.
Na obra de Bergman, pode-se compreender o súbito mutismo de Elizabeth como uma perda ou um possível esquecimento de sua identidade, a questão
principal do filme. Afim de evitar maiores explicações à sociedade, já que é uma pessoa pública, a atriz esconde-se dentro de si mesma rejeitando qualquer forma de diálogo, provavelmente para que não precise mentir ou desculpar-se. Sua recusa à comunicação oral, então, transforma-se num escudo protetor.
O silêncio de Elizabeth incita a fala de Alma, a enfermeira encarregada de assisti-la, que inicialmente é introvertida. Tenta deixar o caso da atriz alegando não ser experiente o bastante para tratar de alguém em boas condições físicas e mentais. Ao permanecerem sozinhas na casa de praia da médica, a individualidade de ambas é confrontada e, a prestativa Alma, passa a falar desconcertadamente, a fazer confissões a Elizabeth as quais não condizem com seus princípios e com a forma que sua personalidade nos é apresentada.
A assimilação de Alma para com a personalidade até então, enigmática de Elizabeth, acaba por favorecer a troca de papéis: a atriz anteriormente analisada passa a analisar a enfermeira, nutrindo-se de sua resistência ao diálogo, quanto mais fechada em seu silêncio, mais obtém informações de Alma.
A inversão de papéis origina a real troca de personalidades, fato que nos remete novamente a Jung ao tratar da “sombra” no plano do inconsciente. Constitui-se ao material rejeitado pela persona do indivíduo como desejos, tendências, memórias ou experiências. Quanto mais forte a persona maior o repúdio a estes materiais. As pessoas que, por determinado motivo não reconhecem suas “sombras”, tendem a projeta-las em outros ou deixam-se dominar por ela sem que percebam.
É possível que Alma desconheça a sua “sombra” e, influenciada por Elizabeth, revele atos do passado, os quais são incompatíveis com sua persona. Ao longo da história, quando as personalidades fundem-se, Alma projeta a sua “sombra” em Elizabeth insultando-a constantemente.
A “sombra” de Elizabeth é revelada por Alma quando esta relembra sua aversão por seu filho. São memórias indesejáveis, à persona da atriz que, domina a personalidade da enfermeira.
A transformação em imagens da revelação do objeto de desejo de Elizabeth (a personalidade de Alma, pois projeta nela a sua própria) é vista no momento em que esta suga o sangue do braço da enfermeira.
De acordo com o método Stanilslavsky, o ator tem de ser o parasita da personagem para o seu êxito futuro e verossimilhança. O ato da senhora Vogler (já que interpretava um papel diante de Alma, ou melhor, utilizava uma de suas personas) nutre-se literalmente do produto que o outro possui e , no caso de Alma, não quer ceder.
Bergman nos remete durante todo o filme a questões teatrais e cinematográficas. Ainda no âmbito do teatro, Elizabeth deixa de falar enquanto interpretava Electra de Sófocles. O autor certamente não optaria por esta tragédia por mero acaso.
A personagem Electra é rejeitada pela mãe, nutre ódio pela mesma e tem grande amor pelo pai, por quem deseja vingar a morte. Elizabeth tem um filho somente para saciar o desejo daqueles a sua volta – e também para representar mais um papel de “mulher completa” – tenta livrar-se sem sucesso do feto e a criança possui um amor doentio pela mãe. Este fato pode aludir ao complexo de Édipo freudiano pelo fato do bebê ser do sexo masculino.
As semelhanças são invertidas: Elizabeth é a mãe que não deseja o filho, enquanto Electra é a filha rejeitada pela mãe. Resgatando novamente as teorias da personalidade de Jung, é possível interpretar o filho da atriz como sua “sombra”, já que foi recusado por sua persona.
Em se tratando de objeto de desejo, este muda na evolução da história para as duas protagonistas. Elizabeth quer encontrar sua identidade, busca pela verdade. Alma deseja ser Elizabeth, manifesta sua vontade quando diz “poderia me transformar em você se tentasse” logo após revelar uma orgia que viveu numa praia.
Justamente o relato dessa orgia marca a transposição de personalidades, no momento em que Alma descobre que uma parte muito íntima de sua vida e, que ela havia compartilhado com Elizabeth, estava sendo banalizada numa carta escrita pela paciente e direcionada para sua médica. Tal descoberta é representada com a mesma interferência sonora do gotejar, recurso utilizado anteriormente na poesia visual, e que caracteriza a fuga de uma parcela muito importante de sua vida: o “vazamento” de algo que até então se encontrava muito interiorizado na personalidade da enfermeira.
As duas estabelecem uma grande proximidade sugerindo, inclusive, uma paixão entre as duas, mostrada com muita sutileza pelo diretor (fato que torna ridículo e apelativo o título “Quando Duas Mulheres Pecam” em português). A ligação intensifica-se e ocorre a inversão de personas: Alma passa a agir como Elizabeth, dizendo, tudo o que a persona da atriz jamais aceitou.

REPRESSÃO NO DESEMPENHO

De acordo com o termo persona, o indivíduo cria uma forma de se apresentar ao mundo; seja através de atitudes, seja através de pertences pessoais. Relacionamo-nos socialmente através dessa máscara. No Capitalismo, o Princípio da Realidade sofre uma atualização. O indivíduo não mais busca sua felicidade e prazer livremente; o Princípio do Desempenho, criado pelo filósofo Herbert Marcuse, destaca a competitividade na luta pela sobrevivência como mais um obstáculo nesse objetivo. Enfim, as personalidades das pessoas estavam se modificando.
Atualmente, nota-se uma supervalorização da persona em relação ao Ego. A estrutura psíquica se altera de acordo com a máscara social. No filme de Ingmar Bergman, a personagem de Liv Ullman, a atriz Elizabeth Vogler, também sofre essa repressão da sociedade, contudo, seu Ego é prejudicado com a escolha
entre sua carreira e a presença de um filho. Acaba se decidindo ter um filho e fazer com que o período de gravidez se torne um novo patamar em sua carreira e, assim, enriquecer sua persona; impressionando a todos, menos ela mesma.
Com o nascimento de seu filho, Elizabeth sente desprezo e repulsa em relação àquela criatura que surgira de seu pseudo-amor e de seu corpo. Criara uma vida somente para alimentar sua sede de sucesso e bem estar social. Seu status quo se elevara. Elizabeth se tornara um modelo indentificatório para as massas como havia planejado, mas a que preço? Tal abalo, leva-a a perder sua verdadeira identidade perante as inúmeras personas que decide viver como atriz. Algum tempo depois, durante uma interpretação de "Electra", decide parar de falar, como se isso cessasse todas as mentiras que viveu e que poderia viver. Parte então para uma busca de seu verdadeiro eu.
Internada num hospital psiquiátrico, Elizabeth Vogler se fecha em seus pensamentos, mas tudo muda com a entrada da enfermeira Alma na cena, pois essa companhia acaba por atrasar a reconstituição da estrutura psíquica da Sra. Vogler. Ao permanecer sozinha, o Ego supera a persona, já que não há relacionamentos sociais. Por se tratar de uma profissional 'ouvinte passiva', a enfermeira tem a oportunidade de revelar seu Ego à sua paciente. Esta a estuda com um papel, uma nova personalidade que naturalmente acabará absorvendo.
outro texto sobre o filme

Um comentário:

Anônimo disse...

Uma ousada e urgente proposta :) Bergman,tem um dos arcevos temáticos sobre alma humana em seus traços mais instintivos e primitivos...
Tentarei ir,o debate com certeza vai ser bom,Bergman promove a quem o assiste, as mais rubricantes reflexões.
Que seja a todos.